Esse é o título do artigo produzido pelo Dr. Josué Pereira da Costa, advogado e professor de língua portuguesa, filho do poeta “Domingão”. Reproduzimos seu relato na íntegra:
Quando criança, morando no Sítio Buritizal, no município de Cascavel, no Ceará, sempre ouvi as pessoas chamarem o meu pai de “Domingão”, o filho do velho Daniel, que também morava no Buritizal. O nome do meu pai é Domingos Pereira da Costa, porém, se alguém falasse o seu nome assim, ninguém saberia quem era, porque ao nome dele foi acrescentado o aumentativo “ão”.
O garoto Domingos Pereira da Costa aprendeu a ler já como adolescente; já trabalhava há tempo. À noite, quando chegava do alagadiço, ia se alfabetizar com a sua primeira irmã Maria Madalena, que segurava a lamparina a fim de que ele pudesse ler os seus primeiros textos. Depois de alfabetizado veio o seu interesse pelas Sagradas Escrituras, a História da França, conhecendo muito sobre a vida de Carlos Magno e suas grandes conquistas. A vida dos Doze Pares de França. Também estudou a vida de Júlio César, as Conquistas do Egito. Como podemos ver, meu pai seguiu o currículo que a elite europeia fornecia aos países sul-americanos.
Até 1928, ele era chamado simplesmente de Domingos. Ainda era solteiro e trabalhava nos diversos sítios no Buritizal e em Cascavel. Já estava com 23 anos e trabalhava como uma máquina, tanto na plantação como na terraplanagem ou na colheita de grãos.
Seu pai era o senhor Daniel Joaquim da Costa, um cidadão muito acatado pela comunidade como um homem culto em Escrituras Sagradas, e muito calmo e espirituoso.
Domingos Pereira da Costa tinha um vozeirão incrível e cantava bastante as modinhas da época, que se ouvia a longa distância. Também gostava de fazer poesia e fazer versos em forma de repentes.
Domingos trabalhou praticamente em quase todos os sítios que funcionavam no município de Cascavel. Os patrões daquele tempo sabiam que o senhor Domingos, um rapaz de 23 anos com uma enxada na mão funcionava como uma máquina. Não era somente ele que era bom de enxada, havia naquele tempo muitas “feras” bons de enxada. Esses rapazes eram muito procurados. Havia um primo de Domingos, chamado Chico Caetano, que era como Domingos, muito procurado para realizar serviços nos sítios.
Esses rapazes trabalhadores, chamados “bons de enxada”, despertaram o interesse dos donos de engenhos. Resolveram criar um concurso onde o trabalhador que realizasse a maior quantidade de tarefas em um belo dia de domingo, receberia uma coroa de flores das mãos da moça considerada a mais bonita da comunidade. O trabalho era para quem fizesse o maior número de covas para plantar mandioca; o diâmetro dessas covas é semelhante ao que existe ainda hoje em dia.
Para o jovem Domingos, seria mais um desafio trabalhar com inúmeros colegas, inclusive enfrentar o seu primo Chico Caetano e outros grandes trabalhadores. Nessa empreitada, todos os trabalhadores que quisessem participar poderiam fazê-lo. Foram muitos concorrentes que participaram, entre eles estava o rapaz de nome Domingos Pereira da Costa, filho do velho Daniel Joaquim da Costa.
O trabalho deveria ser realizado na Mataquiri, numa manhã de verão, no Sítio Neném Rosário, no município de Cascavel. O início dos trabalhos deveria começar às 8:00 horas em ponto e terminaria às 17:00 horas, quando os fiscais iriam contar as covas que foram concluídas dentro do tempo exato.
Concluído o trabalho no prazo determinado, o rapaz Domingos Pereira da Costa cavou 100 covas num único dia, coisa ainda não realizada nem em Cascavel nem em todo o Estado do Ceará.
Por causa desse feito, Domingos Pereira da Costa recebeu a coroa de flores pelo reconhecimento do trabalho realizado. Seus companheiros de trabalho decidiram colocar-lhe, pela dimensão do feito realizado, o apelido daquele trabalhador chamado o “Domingão da Guaiúba”. Dessa maneira, o apelido calçou como uma luva no jovem trabalhador cascavelense. Esse apelido, que veio lhe engrandecer por longo tempo a nova carreira como cantador e repentista do estado do Ceará, elevou também o município de Cascavel, onde nasceu o Domingão.
Fui à prefeitura de Guaiúba, para verificar se aquele Domingão realmente existiu, e se de fato era exagerado em tudo que fazia, além de ter um vozeirão que se ouvia a longa distância e a sua alimentação era realmente bastante exagerada para os padrões normais, sendo verdadeira a pesquisa.
Foi a partir do ocorrido no Sítio Neném Rosário que o filho do velho Daniel e Dona Francisca Maria adquiriu o apelido de “Domingão”, marcando assim, o início de sua carreira como cantador repentista.
Foi nessa oportunidade que o seu primo e amigo José Tomaz lhe deu uma viola. Domingão pegou a sua própria enxada e jogou-a a uma longa distância, passando a viver como cantador e poeta repentista Domingão Pereira da Costa.
Com sua voz muito potente, quando ele cantava à noite no Tijucussu, podia-se identificar qual era o cantador; tanto no Buritizal, como no Zumbi ou Moita Redonda, pelo volume de sua voz.
Numa faixa, paralela ao Oceano Atlântico, na distância que podemos estender de São Gonçalo do Amarante até a fronteira do Rio Grande do Norte, passando pelo Jaguaribe, Limoeiro do Norte, indo à fronteira com o Piauí, Domingão cantou por mais de cinquenta anos. Sempre com uma grande popularidade em sua vida profissional, e sempre exaltando a sua querida cidade que o viu nascer, sua cidade de Cascavel, no Ceará.
Ao chegar à década dos anos de 1950, o Domingão de Cascavel já era considerado pelas massas como um repentista invulgar, sendo quase impossível que um outro poeta repentista viesse fazê-lo encostar a sua viola. Era incrível a sua memória e a sua capacidade de fazer repente.
Em 1955, foram selecionadas duas dúzias de poetas repentistas em todo o Nordeste, que foram conduzidos a participar de um festival de cantadores em São Gonçalo do Amarante, na Fazenda da Liberdade, na casa do Coronel Linhares. Esse congresso de cantadores teve grande importância na região e entre todos aqueles que foram convidados. A revista O Cruzeiro, que fez toda aquela cobertura, através do seu repórter Luciano Carneiro, fez extensos elogios ao poeta repentista cascavelense Domingão.
Dr. Josué Pereira da Costa – filho do poeta Domingão