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Manuel Olímpio Meira, filho de Olímpio José Meira e de dona Maria Bernardo Meira, nasceu em 25 de dezembro de 1903, no Rio Grande do Norte. No ano seguinte o pai, modesto pescador, veio com a família morar na praia da Caponga, em Cascavel, onde o garoto teve toda a sua infância e fez seus estudos na escola da Colônia Z-10. Quando garoto, o seu maior divertimento era na beira da praia tomando banho de mar e brincando nas enseadas com sua jangadinha, enquanto ficava à espera da jangada do pai, de volta da lida diária do mar. Em suas brincadeiras com os amigos um deles lhe apelidou de “jacaré” e o apelido pegou, ficando conhecido por todos na praia da Caponga, e até em Cascavel. Tornou-se um grande nadador e um excelente pescador.

Casando-se em 1934, com dona Josefa de Castro, radicou-se em Fortaleza; juntou-se ao grupo de pescadores da praia de Iracema e tornou-se uma espécie de líder. Ele jamais esqueceu a praia da Caponga, os amigos, e considerava-se capongueiro. Em 1941, nos primeiros anos da Segunda Grande Guerra, a Colônia Z-1 de pescadores se reúne para tomar uma medida drástica. Uma comissão de jangadeiros deveria falar com o Presidente Getúlio Vargas, para conseguir algum beneficio, alguma proteção, qualquer coisa para uma profissão arriscada e insegura. Tudo acertado: quatro jangadeiros iriam de Fortaleza ao Rio de Janeiro, para atrair a atenção dos políticos, da imprensa e do povo.

No dia 8 de setembro a jangada São Pedro é abençoada pelo padre Perdigão Sampaio, foi escolhida como madrinha dona Mariinha Holanda, encarregada de cuidar das famílias de Manuel Pereira da Silva, o “Manuel Preto”; de Raimundo Correia Lima, o “Mestre Tatá”; de Manuel Olímpio Meira, o “Jacaré”; e de Jerônimo André de Souza, o “Mestre Jerônimo”.

A partida foi no dia 14 de setembro, às oito e meia da manhã, da Praia de Iracema, presentes o interventor Menezes Pimentel, o capitão dos portos comandante Henrique César Moreira, o secretário de Polícia e Segurança Pública capitão Luiz Abner de Souza Moreira, além de uma grande multidão. A jangada São Pedro partiu embalada pelo coral de canto orfeônico que homenageava a coragem dos jangadeiros.

Dona Mariinha, previdente, insistira com eles para que levassem jangadas em miniatura, que seriam doadas ao governador de cada estado onde aportassem. Rumo ao Rio de Janeiro (então Distrito Federal), enfrentaram a maior aventura marítima. Com muitos amigos, conseguiu manter um acompanhamento constante das escalas dos jangadeiros em cada porto. Dia 9 de outubro, eles chegaram ao Recife. Dia 29 saíram da Bahia, conforme registro de “Datas e Fatos para a História do Ceará”. Dia 4 de novembro saem de Vitória para a última etapa do trajeto. Macaé, no Estado do Rio, é alcançado dois dias depois. E a Capital Federal recebe com festas a comissão no dia 15 de novembro, exatos 61 dias depois da partida de Fortaleza enfrentando as maiores adversidades.

Foram delirantemente recebidos pelo povo carioca e pelas autoridades. Jacaré, o mais instruído do grupo, deu entrevistas a jornais, revistas e rádios. A jangada foi exposta na Cinelândia, depois de monumental desfile pela Avenida Rio Branco. Manoel Jacaré, que também fazia poesia, escreveu um diário de bordo. Foram recebidos pelo Presidente Getulio Vargas no Palácio do Catete onde expuseram as suas reivindicações. Os heróis voltaram a Fortaleza em avião da Força Aérea Brasileira chegando ao Aeroporto do Cocorote (antiga gare no mesmo local onde hoje fica o aeroporto Pinto Martins), onde foram recebidos com grande festa pelos cearenses.

Sua aventura, que alcançara dimensão internacional, despertou o interesse de Orson Welles, o grande cineasta americano, que veio ao Brasil realizar o que seria o seu grande filme “It´S All True” (Tudo é verdade). Quando realizava filmagens na Barra da Tijuca, no Rio, acidente jamais explicado vitimou o heroico jangadeiro aos 38 anos e cinco meses, que morreu tragado pelas ondas do mar, no dia 19 de maio de 1942. São desencontradas até hoje as versões do caso, que nem mesmo seus companheiros conseguiram explicar.

A fatalidade é assim: um perito nadador ser tragado repentinamente pelas ondas do mar! A propósito da morte de Jacaré, um jornal relembra que na sua última entrevista o bravo pescador declarara que “jangadeiro deve morrer no mar”. Os companheiros de Jacaré declararam que este, ao ser tragado pelas ondas gritava-lhes: “nadem para a Jangada!”.

Falando aos jornalistas, Orson Welles declarou: “Jacaré gozava de uma popularidade impressionante. Era um homem como poucos. Um homem excepcional. Sinto profundamente, a sua morte, porque ele era um herói, um líder”.

Acrescentou mais o cineasta que o seu filme seria uma homenagem especial à memória do herói desaparecido.

Transcrevo homenagem que Francisco Silva Nobre publicou no Jornal “O Nordeste” em 29 de maio de 1942, página 7:

Jacaré, o herói moderno de uma epopeia magnífica em que se delinearam os traços de bravura da gente nordestina, sucumbiu vitima da própria grandeza de seus sentimentos.

Levado pelas necessidades que abalavam a seus companheiros, como a ele, idealizou o “raid” extraordinário que o levaria a gloria da imprensa, exaltando-o como representante legitimo de sua classe, a fim de assim conseguir ver concretizadas as aspirações de melhor vida, que garantisse a tranquilidade de suas famílias.

Ele escreveu com letras garrafais a sua empresa grandiosa. Mostrou ao mais longe do universo a sua fibra inimitável de jangadeiro acostumado ás lides rudes dos mares bravios.

Exaltou, com o seu feito miraculoso, o valor dos seus companheiros, tornando-os dignos das reivindicações que ele buscava para todos.

Sofreu as torturas de um oceano incógnito. Enfrentou os vagalhões furiosos, levado somente pelo seu sublime idealismo de concretizar a melhoria dos seus companheiros.

O seu nome elevou-se bem alto, colocando-se na pagina dos jornais, ao lado dos maiores homens modernos.

Abafou com a sua coragem indômita os dias trágicos que vivia a Europa combalida, levando-nos a meditar profundamente na justiça e na grandeza da legislação que havia de conseguir.

Depois, como só acontece a todos os heróis e aos gênios, o seu nome tão justamente elevado desceu à calunia. Enxovalham-no inimigos gratuitos; ambiciosos e despeitados tentaram ofuscar a sua epopeia grandiosa.

Mas, ele triunfou contra tudo e contra todos, e, coberto de loiros, navegou outra vez o mar que lhe dera o renome… Navegou, revendo os dias trágicos que antecederam á sua fama… Navegou e nunca mais voltou…

O mar, a única sepultura digna de um almirante batavo, seria também a sua sepultura… Nele o seu triunfo seria mais galardoado exaltando mais ainda o seu feito grandioso.

Jacaré morreu para o mundo, mas ele viverá no coração de todos os seus companheiros.

[Francisco de Sena Rodrigues – “Cascavel, Retalhos de sua História”]

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