No dia 4 de fevereiro de 1842, o capitão José Simões Branquinho, chefe do partido liberal de Cascavel, abastado proprietário e respeitado na vila, foi assassinado por um bando simbolizado pelo nome fictício de “Major Gonçalo”, que atacava em nome desta autoridade da ribeira do Jaguaribe. Fato acontecido barbaramente à noite, por motivos políticos, em sua residência, no sobrado situado em frente à Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição.
Documento de Torcapio Ferreira
“Ilmo. Exmo. Snr.
Tenho a honra de participar a V. Excia. que hontem pelas 11 horas do dia aqui cheguei e immediatamente dirigi ao Juiz de Paz Bento Correia de Lima, unico que estava residindo de presente no districto, o officio por copia, mas não foi achado em casa e nem se sabe para onde se foi. Em consequencia do que esperei até hoje, a fim de ver sí, deixando o terror de que se apoderou pela procura que delle fizerão os malvados, que assassinarão o cidadão José Simões Branquinho, appareceria; não tendo, porém, assim acontecido, e sendo de suppor que fosse para o Aracati, junto com o irmão Geraldo, que aqui esteve no domingo, enderecei ao Presidente da Camara municipal o officio annexo; e do resultado communicarei a V. Excia. o mais breve possivel. Hontem á noite fuí á casa da viúva, a fim de inteirar-me dos pormenores do desastroso successo e saber della se tinha conhecido algum dos malvados; disse que não conheceu a ninguem e ignora quaes sejam os autores de tão atroz delicto, apezar de decima do sobrado ter visto por uns buracos que existem no assoalho, a dois que andarão pelo armazem e loja com uma vela. Seriam 10 para 11 horas da noite quando esses assassinos accommetterão a casa e só depois que escalarão o portão do muro e duas portas de traz foi que acordou o falecido e fugindo para o sobrado eles tratarão de por abaixo a porta da escada, mas não levarão a effeito esta resolução, porque tratando o morto de evadir-se, havendo antes dado trez gritos que o accudissem que o estavão matando, pelo telhado que lança para o muro, derão então fé delle, pois hia com hua camisa bastante alva, lhe dispararão hum tiro, que empregou-se na parte esquerda da barba, sahindo no pé do ouvido e o acabão de assasinar á cacetadas. Concluida essa catastrofe horrenda, deitarão abaixo huma porta da loja, tirarão fazendas e toda roupa do assassinado, que estava na sala dentro de hum Jogo de malas e da gaveta de hua mesinha todo o dinheiro que havia; e se retirando derão vivas a N.S. da Conceição e a do Rosario e descarregarão hua arma. Forão depois disto á casa do Juiz de Paz, derribarão hua porta e, não o achando, nada fiserão; passarão finalmente em casa de hum tal Nicolao, caixeiro do falleccido Simões, e ainda derão duas machadadas na porta, porem, abrindo-a hum velho, que estava na casa e dizendo que elle não se achava ali, se forão embora.
Releva ainda dizer a V. Excia. que na noite de domingo, parando dois cavalleiros no portão do muro do assassinado, estavão conversando sobre o acontecido e forão ouvidos pela viuva e escravos as seguintes palavras: Ora, para que aquelle homem matou o outro? Não era bastante que desse hua surra? porem, si o homem vinha damnado! Nada mais se poude ou vir, porquanto elles, presintindo gente, cuidarão de retirar-se. Quem sabe si estes dois individuos não se achavão na occasião da morte, pelo menos a sua conversa o dá a entender; porem, infelizmente não forão conhecidos, o que si tivesse acontecido seria facil de descobrir-se os perpetradores do delicto; si a viuva os mandasse seguir, talvez já tudo estivesse sabido. Até hoje não se sabe de onde partiu tamanha malvadeza, por mais que tenha informado e pesquisado o negocio com toda subtileza; e tenho colligido que alguns não querem denunciar de alguem com medo e outros talves com receio de que a pessôa comprometida não lhes seja affeiçoada, etc. porem, a maneira por que foi praticado esse inicuo attentado, as circumstancias que ocorrerão não podem por muito tempo fazer com que fiquem desconhecidos os seus autores; para o que não pouparei meio algum que esteja ao meu alcance. Esta tarde sahe para fóra o Commandante do destacamento e hum official da Guarda Nacional, afim de ver se colhem alguns indicios pelos quaes se possão descobrir os malvados. O que posso assegurar a V. Excia. é que quem se arrogou a praticar esse crime não ignora o estado em que se achava a victima, desprevenida de gente e armamento e então aproveitou-se do favoravel ensejo; pois só assim se pode explicar a ousadia dessa gente que tanto zombarão das autoridades e da lei, afrontando ao mesmo tempo a humanidade; pelo que entendo que não partiu de lugar muito distante da villa. Deos guarde a V. Excia.
Cascavel, 11 de Fevereiro de 1842.
Ilmo. Exmo. Snr. Cel. José Joaquim Coelho, Commandante das armas e Presidente da Provincia – Miguel Fernandes Vieira, Juiz de Direito e Chefe de Polícia”.
Fonte: Torcapio Ferreira. Para a História Criminal do Ceará. Revista do Instituto do Ceará, 1920.
Mantida a grafia original.
A Rua Dr. Branquinho
Uma rua são duas filas de casas num leito de pedra ou asfalto, e postes de iluminação pública. Tudo passa pela rua sem deixar vestígios. Quando chega a noite, tudo sumiu como por encanto. Dos que passam pela rua, uns estão no leito, com amor, outros no hospital com sofrimento, e outros enfim, entre velas acesas com a morte.
Sebastião Simões Branquinho, o “Dr. Branquinho”, nasceu em Cascavel, em 1821; filho do coronel José Simões Branquinho, chefe político de cascavel e primeiro presidente da Câmara, quando da instalação do Município em 17 de outubro de 1833 (não existia a figura do Prefeito). Seu pai foi assassinado em sua residência (sobrado da Rua Professor José Antônio de Queiroz com Rua Dr. Branquinho), no dia 4 de fevereiro de 1842 (há 178 anos).
O jovem Sebastião Branquinho era estudante de medicina em Paris-França. Retornou imediatamente à sua terra após saber desta trágica notícia. Em Cascavel, muito ajudou seus conterrâneos. Aplicando seus conhecimentos de farmacologia e terapêutica, aprendidos na Europa, medicava seus pacientes. Era uma época em que não existiam farmácias. Assim, salvou muita gente da terrível epidemia de cólera, que ceifou a vida de 360 pessoas no município de Cascavel (compreendida também Beberibe), nos anos 1855-62.
Participou ativamente de todos os momentos políticos e administrativos do século XIX em nossa terra. Dr. Branquinho faleceu em 1911, com 90 anos de idade.
A Rua Dr. Branquinho, antiga 24 de Outubro, só recebeu esta nova denominação em 1971. É pequena e estreita; tem sua origem nos ensaios de urbanização da cidade no século XVIII. Localiza-se no Centro antigo de Cascavel. Tem o sentido nascente-poente. Começa no Largo Sebastião Coelho Filho, em frente à Igreja Mariz e termina em frente ao Cemitério São José, nas imediações da Praça João Mires (tomada por oficinas de pequenos reparos e sucatas).
Por esta rua é feita a nossa última viagem rumo à eternidade; acompanhada pelas badaladas solenes do velho sino da Igreja Matriz, familiares e amigos.
[Texto de Antônio Barão publicado no Jornal “O Repórter”]